Recovery - 06
O tempo ali dentro passava muito devagar, um dia parecia ter quarenta e oito horas em vez das normais vinte e quatro horas, e na cabeça de Ashton, isso era horrível. Parecia que estava ali dentro já há uma vida, quando apenas estava há alguns meses. As visitas que ele recebia eram escassas, mas ele sabia que isso era por causa dos pais. Eles tinham deixado bem explícito que não queriam que o rapaz fosse muito visitado ali dentro, em especial pelos seus amigos, que eram aquelas más companhias que todos os pais queriam ver longe dos filhos. Mas por vezes, Ashton não sabia dizer se as más companhias eram os amigos, ou se era mesmo ele.
Uma semana e meia já tinha decorrido desde a chegada de Valerie àquele lugar e ela já não aguentava estar fechada ali. Quando naquela manhã ela caminhava pelo corredor, e foi abordada por uma enfermeira, ao início ficou confusa, mas depois acabou por ficar ainda com uma expressão mais confusa quando esta a informou que tinha uma visita. Ainda ninguém tinha vindo ali durante todo o tempo que já tinha decorrido, nem mesmo os seus pais. Talvez eles já se tivessem esquecido que Valerie existia, assim como parecia terem-se esquecido que Ivy alguma vez existiu.
- Quem é? – perguntou a rapariga, agora bastante curiosa. Não é que quisesse receber visitas, porque não queria mesmo, no entanto, isso não fazia com que a sua curiosidade fosse menor.
- Não me informaram o nome. Mas ele está à tua espera. – Valerie apenas conseguiu dar atenção àquele ele, que não lhe serviu na mesma de muito, porque continuava sem saber quem era. Desistiu de tentar perguntar mais alguma coisa, decidindo portanto seguir aquela mulher.
A sala onde podiam receber as visitas, ficava numa zona mais afastada, e era apenas unicamente destinada às visitas. Naquele lugar havia bastante segurança, todos os olhos sempre colocados nas pessoas, como se elas fossem fazer alguma coisa de mal.
Valerie afastou para trás os seus cabelos claros, e apressou o seu passo, deixando que os seus sapatos fizessem um ligeiro barulho sobre os azulejos brancos que cobriam todo o chão daquele lugar. Quando entrou naquela divisão, que era, talvez, a única divisão que continha alguma cor, ela logo colocou os seus olhos na figura alta que estava à sua frente. Os lábios dele abriram-se num enorme sorriso e os seus olhos grandes e castanhos tornaram-se mais brilhantes, como se estivessem a admirar um diamante.
- Valerie! – Harry começou a andar até ela, e assim que a alcançou, ela foi rodeada por aqueles braços fortes, os quais ela já conhecia tão bem como a palma da sua mão.
- Deixa-me. – ela disse rapidamente, não se permitindo inalar o cheiro familiar que emanava do rapaz. – Harry, deixa-me. – ela insistiu, quando ele permanecia a abraçá-la, como se pretendesse nunca mais a largar.
Ele lá acabou por o fazer, as suas sobrancelhas unidas, numa expressão de confusão e também de alguma tristeza. – Porquê? O que se passa? Desculpa não ter vindo visitar-te mais cedo, mas não consegui mesmo fazê-lo, além disso…
- Não quero que me visites, nunca. – ela fitava-o com um olhar demasiado frio, tão frio que por momentos ele nem a reconheceu. Onde estava a rapariga por quem ele se tinha apaixonada? A rapariga que ele tinha tentado ajudar este tempo todo? Aquela rapariga que olhava para ele com amor? – Vai embora daqui, Harry.
- O quê? Sou teu namorado, eu pensei que…
- Eu não tenho namorado! – ela gritou na direcção dele, deixando a sua voz soar mais alto do que era suposto, e fazendo assim com que todas as pessoas que estavam naquela divisão, voltassem os seus olhos para eles.
Ela encolheu-se ligeiramente, como se aquelas olhares a magoassem, e focou depois de novo os seus olhos no rapaz que estava à sua frente. Os cabelos dele estavam mais compridos do que estavam na última vez que se tinham visto. Os seus olhos estavam também mais tristes, e ela sabia ser o motivo disso. Mas sinceramente? Ela não podia fazer nada quanto a isso. Só queria que ele se fosse embora dali. Queria nunca mais olhar para ele.
- Como assim não tens namorado? Val… - ele engoliu em seco, e tentou mais uma vez aproximar-se dela, mas ela deu alguns passos para trás, de maneira a manter a distância entre os dois.
- Acabou tudo. Não somos mais namorados, agora desaparece daqui. – custava-lhe um bocado, ou melhor, custava-lhe bastante estar a ser assim. Tão fria e tão má. Mas era a única solução.
Tal como ela tinha dito a Ashton, ela não queria amigos. E muito menos um namorado. Ela não queria ninguém na sua vida, não queria ter na sua vida aquelas pessoas por quem ela sentia algo, por quem sentia amizade ou até amor. Pessoas que a faziam sorrir, pessoas com quem ela gostava de falar ou passar tempo. Ela não queria ninguém assim na sua vida. Já tinha tido a Ivy desta forma, e depois o que aconteceu? Ela perdeu-a e um vazio cresceu dentro de si. Perdeu-a e isso doeu mesmo muito. Por isso, para quê ter amigos, para quê gostar das pessoas se depois as vamos acabar por perder? Num momento temo-las ao nosso lado, e no momento seguinte o espaço que elas ocupavam é apenas um enorme vazio.
- Valerie, não faças isso. – o rapaz implorava e tentava, uma vez mais, acabar com a distância que os separava.
- Sai daqui! – ela gritou e de seguida virou costas, transpôs a porta que separava aquela divisão do corredor e começou a correr ao longo do mesmo. Pensou que ia chorar, mas apenas sentia raiva dentro de si, raiva por ser tão fraca. Raiva pela vida ser tão injusta.
Quando Ashton se apercebeu, Valerie tinha embatido contra o seu corpo, e tentava a todo o custo afastá-lo do seu caminho. Ele quase podia jurar que ela estava com vontade de lhe bater, mas ele não tinha feito nada de mal.
- Preciso de sair daqui. Eu odeio isto! – ela gritava, enquanto se mexia de forma bruta e abanava a cabeça.
O rapaz acabou por lhe segurar em ambas as mãos, de maneira a fazê-la ficar quieta. Pôde ver que ela respirou fundo e por fim os olhos de ambos cruzaram-se.
- Tem calma. O que é que se passa?
- O meu namorado está aqui e eu não quero. Quer dizer, ele não é meu namorado. Não mais. Eu não quero. Não quero ninguém na minha vida. – ela falava de forma demasiado rápida, tão rápida que Ashton tinha de estar bastante atento para conseguir entender todas as palavras sem se perder a meio das frases.
- Anda comigo. – Ashton disse, os seus olhos varreram o corredor, para se certificar de que este estava completamente livre de qualquer olhar posto nos dois. Largou uma das mãos da rapariga, permanecendo a segurar na outra e de seguida começou a puxá-la consigo ao longo daqueles corredores, que pareciam sempre não ter fim.
Valerie percorria com o olhar todos os lugares por onde Ashton a estava a levar, lugares que ela ainda não conhecia, e nem sequer se tinha dado ao trabalho de explorar. Sempre se tinha limitado a ficar quieta, esperando que os dias fossem passando, uns atrás dos outros.
Ele abriu uma porta, e os cabelos da rapariga foram empurrados para trás devido à corrente de ar que se fez sentir. O frio entranhou-se de imediato no seu corpo, mas ela nem sequer se importou com isso. Limitou-se a apreciar o ar puro que embatia contra o seu corpo e entrava para os seus pulmões. Parecia que já se tinha esquecido de como era estar fora das paredes daquele hospital.
- Não sabia que podíamos vir para o exterior. – ela disse, por fim.
- Não podemos a toda a hora, e nunca podemos sem que uma enfermeira esteja por perto. – ele explicou, fazendo-a perceber que estavam a quebrar uma das regras daquele lugar, talvez uma das regras mais importantes. Ele continuava a andar, percorrendo os jardins e passeios que circundavam aquele edifício.
Pararam apenas de andar quando chegaram a um lugar que parecia afastado de tudo o resto. Parecia que ninguém nunca vinha ali, e talvez fosse esse o motivo para Ashton escolher aquele lugar. O céu estava carregado de nuvens escuras, mas não foi isso que impediu Ashton de se sentar no chão, contra uma parede em mau estado.
Valerie acabou por imitar o que ele fez, e deixou que o seu corpo ficasse sentado ao lado do dele. Sentia alguns arrepios de frios percorrerem o seu corpo, mas até isso sabia bem depois de todos aqueles dias fechada no mesmo lugar.
Ashton levou uma das mãos até ao bolso das suas calças de ganga e um maço de tabaco foi retirado do seu interior. Os olhos azuis de Valerie arregalaram-se quando ela viu um cigarro ser retirado do seu interior.
- Como é que tu tens cigarros aqui? – ela perguntou.
Não tenho muito a dizer hoje, apenas espero que estejam a gostar!