Recovery - 07
Ashton virou o seu rosto na direcção do rosto curioso de Valerie e um sorriu pairou nos seus lábios.
- Um amigo traz-me de vez em quando. – ele encolheu os seus ombros, como se aquelo fosse uma coisa completamente normal.
Mas a rapariga sabia que não era. Não era suposto poder fumar-se ali, em especial quando se era um paciente. E aquilo levava-a a pensar no motivo do porquê de Ashton estar internado neste hospital psiquiátrico. Ela ainda abriu a boca para perguntar sobre isso, no entanto, os seus pensamentos foram, de forma repentina, todos dirigidos para o cigarro que estava agora entre os dedos do rapaz. Ele colocou a ponta do mesmo entre os lábios e depois de pegar num isqueiro, acendeu-o.
- Dá-me um. – ela pediu, quando os seus olhos se dirigiram para os de Ashton. Logo os dele se focaram nos dela, ele pegou novamente no maço de tabaco e quando se preparava para retirar mais um cigarro do seu interior, foi de novo interrompido pela voz dela. – Fumar mata. – aquelas palavras saíram da sua boca como se fossem algo demasiado bom, como se estivessem a ser saboreadas.
Ashton voltou a guardar o cigarro, perante os olhos atentos dela. – Que se passa? Dá-me isso. Ou estás com medo de ficar sem nenhum?
- Não vais fumar. – ele disse, agora a sua voz transformada num pequeno resmungo. Ele levou o cigarro aos seus lábios e depois de inalar, deixou o fumo no interior da sua boca por uns segundos, expelindo depois o mesmo. – Não vou ajudar-te a matares-te Valerie, se é isso que estás a pensar. A vida é demasiado valiosa para a desperdiçarmos assim, vê se tiras essas ideias da cabeça.
- Que irónico, Ashton. – ela deu uma gargalhada bastante forçada. – Estás a dar-me lições de moral sobre fumar, quando estás a fazê-lo? Não é só a mim que essa merda faz mal.
- Faz o que eu digo, não o que eu faço. Nunca ouviste isto? – ele perguntou, desviando a sua atenção do cigarro e concentrando-se apenas em Valerie.
Os olhos dela reviraram-se e ela encostou-se contra a parede que se encontrava atrás deles. – Nem venhas com essas coisas, Ashton. Tu não sabes de nada. Não sabes como é que eu me sinto. Se soubesses, não dirias essas coisas. – ela argumentou esperando que estas palavras acabassem com aquele assunto.
- Tu é que não sabes o que estás a dizer. – ele encolheu os ombros e levou, uma vez mais, o cigarro aos seus lábios. – Só precisas de arranjar um novo motivo que te faça querer voltar a viver.
- Não é tão simples quanto isso. – ela disse num resmungo.
- É sim. – um suspiro saiu por entre os lábios dele e depois, ele decidiu deixar morrer aquele assunto. Ela era teimosa, e por mais coisas que ele pudesse dizer, nada a ia fazer mudar de ideias em relação àquilo. Mas ele tinha a certeza, que mais cedo ou mais tarde, Valerie ia acabar por dar valor à vida que ainda tinha. – Porque é que disseste aquilo de não quereres ter amigos? – Ashton decidiu questionar, mudando assim o rumo anterior daquela conversa.
- Porque vou acabar por perdê-los. Perdemos sempre todas as pessoas de quem mais gostamos, então para quê deixar que elas se aproximem de nós? Para quê criar laços, se todos eles vão acabar por ser quebrados? Só quero evitar magoar-me.
O rapaz deu por si a abanar a cabeça, devido a toda a negatividade vinda da rapariga que estava ao seu lado. Ela pensava apenas no lado mau de todas as coisas e não via o que realmente estava à sua frente.
- Acho que nem vou dizer nada sobre isso, senão vamos voltar à mesma conversa de há pouco. – o rapaz disse. Os seus olhos focaram-se no céu, demasiado cinzento, como sempre estava. Ele podia prever que não tardaria a que a chuva começasse a cair, mas, sinceramente, neste momento aquilo pouco lhe importava. Ele apenas queria aproveitar o tempo em que estava no exterior do hospital. Era nestes momentos que ele se sentia mais livre, se sentia uma pessoa mais normal e não um doente que precisava estar fechado dentro de quatro paredes.
- Por isso é que disseste aquilo sobre o teu namorado? Foi por causa disso que acabaste com ele? – ele decidiu perguntar, quando se apercebeu de que a rapariga nada mais ia dizer.
Ela assentiu com a cabeça, apesar de ele não estar a olhar para ela. – Foi. Não quero prender-me ainda mais a ele. – murmurou, tão baixo que por momentos receou que Ashton não a tivesse ouvido. Mas ele ouviu, e a prova disso, foram as palavras que ele disse de seguida.
- Para evitares magoar-te, estás a magoar as outras pessoas. – ele virou por fim o rosto na direcção do dela, podendo assim ver que os olhos dela estavam já focados no seu rosto. – As pessoas magoam-se a toda a hora. Se todas as pessoas pensassem da mesma forma que tu, todos nos íamos limitar a cruzar os braços e a deixar a vida passar. Ninguém se magoava, ninguém sofria. Mas, mesmo assim, a nossa vida não ia ser perfeita e nós não íamos estar bem, sabes porquê? Porque todos precisamos de sentir estas coisas para vivermos. Como íamos saber como é a felicidade, se nunca antes tivéssemos experimentado outro sentimento?
- Ashton… - Valerie suspirou, depois de deixar que todas as palavras que ele proferia, entrassem na sua mente. – Pára de dizer essas coisas…
- Pois, eu sei. – ele interrompeu-a antes de a deixar terminar o que estava a dizer. – Já sei que continuas a achar que morrer é a melhor solução. Não sabia que eras assim tão cobarde. – atirou, e soube no momento seguinte que não devia ter dito estas palavras. Mas aquilo tudo estava a começar a irritá-lo, e nem aquele cigarro estava a aliviar isso.
Valerie engoliu em seco ao ouvir aquilo, e não foi o facto de ele ter dito aquelas palavras que a magoou mais, mas sim o facto de elas serem totalmente verdade. Ela era uma cobarde.
Apoiou as suas mãos no chão, e quando se preparava para se levantar, a mão forte de Ashton segurou o seu pulso, empurrando-a para baixo e impedindo-a de ir embora.
- Desculpa. – ele murmurou, deixou a ponta do cigarro cair no chão, e depois pisou o mesmo com o pé. – Eu não devia ter dito aquilo, desculpa. – repetiu.
A rapariga limitou-se a encolher os ombros, como se tudo aquilo não tivesse qualquer importância. Custava-lhe admitir que ele tinha razão. Custava-lhe sempre admitir que qualquer pessoa tinha razão, na verdade. Ela abanou levemente a cabeça, tentando afastar para longe aqueles pensamentos que apenas a faziam sentir-se pior.
- Porque é que estás aqui? – ela perguntou, quando por fim conseguiu arranjar coragem suficiente não só para falar, mas também para fazer aquela pergunta. Não tinha gostado quando Ashton lhe tinha feito aquela mesma pergunta, e portanto, quase podia apostar que ele também não ia gostar que alguém lhe perguntasse.
- Por causa dos ataques de pânico, principalmente. – ele respondeu logo, deixando-a de sobrolho franzido. – Começaram a acontecer demasiadas vezes, e bem, acharam que era melhor eu estar aqui. Podiam controlar melhor tudo isto. – ele engoliu em seco e encostou a cabeça contra a parede. Os seus olhos estavam focados num qualquer ponto à sua frente.
- Porque é que tens ataques de pânico? – ela decidiu perguntar, mordeu o lábio, quando viu o maxilar dele ficar mais tenso do que estava anteriormente.
- Não quero falar sobre isso, desculpa. – ele suspirou de forma bastante audível. – É um assunto que eu quero mesmo esquecer. Porque quanto mais falar sobre essas coisas, mais tempo elas irão ficar presas às minhas memórias. – ele agora parecia estar a falar mais para ele próprio do que para ela.
A loira assentiu com a cabeça, decidindo assim não lhe perguntar mais nada. No entanto, para sua surpresa, Ashton continuou a falar, mesmo sem ela lhe ter perguntado mais nada.
- Também tem um pouco a ver com o álcool e com drogas. Eu drogava-me. Estava já a ficar completamente viciado, para dizer a verdade. Fui para um centro de desintoxicação durante uns tempos, entretanto voltei para casa e os ataques de pânico pioraram nessa altura. E eu não devia andar a fumar, devia afastar-me de todos estes vícios que estão aos poucos a acabar com o que resta da minha vida. Mas eu não consigo. – suspirou. – Não consigo mesmo, é mais forte do que eu.
“20 de Julho, 2014
Quero tanto morrer, Ivy. Nem imaginas o quanto… e bem, acho que já estive mais longe disso, pelo menos quero acreditar que sim. Irias odiar-me pelo que eu fiz, desculpa, por favor. Não quero que me odeies, apenas quero que me compreendas. Foi tão bom sentir aquela lâmina a deslizar pelo meu pulso, ver o sangue, vermelho vivo, correr ao longo da minha pele. Apesar das lágrimas que caíam pelo meu rosto, eu estava a sorrir. A sorrir, pela primeira vez em muito tempo. Cortei-me muitas mais vezes, creio estar viciada em fazer isto. Desculpa, eu não consigo parar. Não consigo mesmo, é mais forte do que eu.”
Não sei se vocês vão reparar, mas acho que sim mas se não repararam eu vou dizer porque eu adorei a forma como deixei isto. Agora no final do capítulo a última coisa que o Ashton diz é igual ao que a Valerie escreveu no diário!
Espero que tenham gostado do capítulo! Beijinhos